O Atletismo salvou minha vida!

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Foto: Arquivo Pessoal

Fiz parte de uma estatística triste que é a gravidez na adolescência, mas consegui mudar minha história. O Atletismo salvou minha vida e minha filha também, me dá motivo todos os dias para não desistir

A Associação Desportiva de Barra Bonita (ADEBB) atende hoje 120 atletas entre crianças, jovens e adultos e em 2020 aderiu ao Programa Incubadora FPA. Umas das dirigentes é a ex-atleta Elizabete Cristina Rodrigues, que tem como melhor marca, 42,80 m, no Lançamento do Disco. Mas, talvez a melhor conquista atenda pelo nome de Nayza Gabrielli.

Você consegue se lembrar o que estava fazendo no 2000? Vamos ajudar! O Brasil vivia a expectativa de assistir e torcer em mais uma Olimpíada, mais precisamente, os Jogos Olímpicos de Sydney.

Em Barra Bonita, município do Estado de São Paulo, com pouco mais de 35 mil habitantes, uma criança de 11 anos de idade, estudante da Escola Estadual Laurindo Battaiola (CENE), pintava mascotes olímpicos, em uma das atividades propostas pelos professores. Assim, começou a relação de Elizabete Cristina Rodrigues com o atletismo.

“Na escola pintávamos os mascotes das Olimpíadas e falávamos muito sobre os Jogos Olímpicos. Lembro que aquilo mexia muito comigo, um dia cheguei da escola para almoçar e liguei a TV, ouvi a narração do Galvão Bueno gritando “é prata… é prata” eu chorei e não entendia o porquê (risos), depois vi que o Brasil tinha conquistado a medalha de prata em uma Olimpíada e ali decidi que era aquilo que iria fazer, mas não sabia onde, nem como”, relembrou Elizabete.

Por vezes, o esporte é inserido na vida das crianças na escola e nem sempre o atletismo é a modalidade prioritária. Muitos relatos mostram que antes de conhecer o atletismo, as crianças passam pelo futebol, vôlei, basquete e handebol. Com Elizabete não foi diferente.

“Eu era uma criança hiperativa com problemas de comportamento e uma professora escolar me apresentou o esporte. Vôlei, basquete, handebol, amava todos. Entretanto, o atletismo veio de uma seletiva municipal, o professor Pereira sempre fazia, me destaquei em uma delas, mas ainda assim não dei sequência, ele insistiu inúmeras vezes. Recordo que ele me parava na rua, foi na minha casa, na escola, até que meu irmão começou a treinar com ele, então decidi me dedicar”, contou Elizabete.

Dai então nunca mais parei, o atletismo é meu ponto de equilíbrio da vida, moldou meu caráter, sempre esteve presente em minhas tomadas de decisões, passei a viver isso é sonhar que seria uma atleta como aqueles que vi na TV.

Com a dedicação nos treinos e a aptidão já observada pelo professor Pereira, Elizabete disputou as fases finais dos Jogos Escolares logo em seu primeiro ano.

“No primeiro ano já fui para as finais escolares pré-mirim e mirim no arremesso do peso, só tínhamos esse implemento aqui em Barra Bonita, depois fui conhecendo outras provas, lançamento do disco, do martelo e do dardo, mas meus melhores resultados vieram com o disco e martelo, minhas paixões”, explicou a ex-atleta e dirigente da ADEBB.

Tempos difíceis fazem pessoas fortes…

Não diferente de muitos jovens, nós tínhamos uma situação de vida precária, básico do básico, eu comia na escola e o Pereira (treinador) sempre trazia algo para eu comer após os treinos, (escondidinho rsrs). Foram tempos difíceis, mas só o atletismo me deu força e esperança de algo melhor, quando não estava na escola, eu estava na pista, ali era calmo, sem brigas… os problemas sumiam.

Melhorei na escola, fiquei mais calma, e comecei a sonhar com faculdade aos 14 para 15 anos, porque o treinador enfatizava a importância de estudar (vigiava me ameaçando que se eu não completasse e tivesse nota boa não poderia competir) eu mais que depressa comecei a ver a escola com outros olhos.

Um novo capítulo na história da vida…

Mas embora no esporte eu estivesse “amparada” não era de tudo. Com 15 anos fiquei grávida, eu achava que meu mundo tinha acabado, que como outras pessoas diziam, que eu teria que parar tudo, escola, treino e ir trabalhar.

Ninguém imagina a dor que sofri. A ignorância que a falta de informação faz. Foi então que, mais uma vez o Atletismo entrou em cena. Continuei treinando até os cinco meses de gestação e ainda conquistei uma medalha de prata no Pro Atletismo, em 2004, e isso me acendeu.

O meu maior incentivador foi o Pereira, ele ia me buscar em casa para treinar

“Ele dizia que lá eu poderia mudar minha vida e a vida do meu filho e que parar não adiantaria. Eu estava sozinha, minha mãe fazia o que podia, nessa época ela estava tratando um câncer e fazendo quimioterapia e não tinha condições físicas nem emocionais para me apoiar, ela só ficou em silêncio por todo o tempo”.

A chegada de Nayza Gabrielli

A Nayza nasceu, fiquei perdida no início, mas aí minha mãe veio para ser o anjo da minha vida, ela acordou um dia e disse que eu iria terminar a escola e voltar a treinar, filho não seria empecilho porque ela iria me ajudar.

Nayza nasceu em 2005 e foi a maior bênção da minha vida!

Uma moeda tem sempre dois lados

Os anos de 2007, 2008 e 2009, foram os melhores anos da minha carreira, participei de Campeonato Brasileiros e índices para Troféu Brasil. Sonho olímpico era muito forte, mas só a minha vontade não bastava, tive que trabalhar, surgiu oportunidade de bolsa na faculdade e tive que optar.

Não me arrependo, mas sofro muito por ter interrompido. Em 2012 resolvi retomar, mas logo em 2013 sofri uma lesão de tornozelo e desde então não consegui mais retornar, mas sigo tentando (risos).

Nayza e o Atletismo!

A Nayza foi gerada, nasceu e cresceu nas pistas, então tudo que não pude ter, faço por ela, ela é uma menina doce, incrível e que escolheu o esporte que amo e que salvou minha vida e ela me salvou, me dá motivo todos os dias para não desistir.

Não sou fácil chorar, todavia, quando a vejo competir,  choro nos banheiros, para ela não ver e assim perder a concentração. Ela fala que sou muito durona, mal sabe ela (mais risos).

Nova geração do Atletismo

O atletismo por não ser um esporte tão popular se torna invisível, hoje vejo mais notoriedade, hoje se fala de atletismo, mas na minha época as pessoas nem sabiam o que era. Atletismo era resumido a São Silvestre. Até porque meu porte físico era bem diferente do que as pessoas imaginavam que poderia ser um atleta de corrida.

Hoje, a Nayza é conhecida na cidade toda, tem bolsas de estudos em escola particular, escola de inglês, patrocinadores e está só no início da carreira, falo que ela já trabalha e mantém seus estudos pelo esporte.

Relação mãe/filha e treinadora/atleta

Minha relação com ela é tranquila, sou muito exigente, mas procuro separar a filha da atleta, embora sempre misture um pouco. Trato ela igual aos outros, mesmas regras, dou bronca, mas sei brincar se necessário, adolescentes né, ô fase (mais risos), mas sou carinhosa também.

Nascida no dia 23 de março em 2005, Nayza Gabrielli lidera o Ranking Brasileiro Sub-16, no Salto em Distância, com 5,42 m (-0,2). Em 2020, foi eleita a melhor atleta do Campeonato Estadual Sub-16.

“A Nayza em competição é uma leoa, não por ser minha filha, mas tem uma garra, uma força e um poder incrível de se refazer, isso nela eu admiro muito, porque ela faz os saltos e então se errar 1 ou 2 saltos significa que o terceiro tem que dar certo. Eu fico muito nervosa, mas ela passa uma calma absurda e vai lá e resolve. Treina pra caramba e se empenha, ela é apaixonada pela Maurren Maggi e Ana Cláudia Lemos. Ela assiste vídeo delas o tempo todo”, elogia a mãe e treinadora Elizabete.

Ano difícil x Objetivo alcançado

Esse ano (2020) foi atípico, não foi fácil manter ela treinando e focada, porque embora no meio de uma pandemia sabíamos que as competições importantes aconteceriam, e deu tudo certo. O objetivo era melhorar a marca no salto em distância e fechar o último ano de Sub-16 como líder do ranking, conseguiu.

Foto: Arquivo Pessoal

É um orgulho ver que ela ama o que faz e vai continuar o nome da nossa família, graças a Deus a história que pude fazer para ela é o futuro que trilhei. Foi sempre pensando que ela pudesse ser diferente, está no caminho.

Quando fiquei grávida achei que seria uma péssima mãe, por ser nova imatura, mas ela foi tão incrível e me ensinou tanto, foi um bebê amoroso, calmo, com 5 meses eu viajava e ela não dava trabalho algum, eu amamentava e não via a hora de chegar em casa, ela foi bênção desde o nascimento, até aqui.

Fiz parte de uma estatística triste que é a gravidez na adolescência, mas consegui mudar minha história

Vamos aos números
Elizabete Cristina
Sub-20 – Em 2008 – 3ª Ranking – Atrás da Andressa e da Geisa e cheguei a ser convocada para Seleção Brasileira – Melhor marca no Lançamento do Disco – 42,80 m.
Sub-23 – Entre as melhores no Lançamento do Disco e Lançamento do Martelo com índice para o Troféu Brasil

Nayza Gabrielli
Aos 12 anos – 2017 – 3ª colocada Brasileiro Escolar – Pentatlo
2018 – 3ª colocada Brasileiro Escolar – Pentatlo
2018 – 3ª colocada no Sul-Americano Escolar – Pentatlo 2019 – Campeã Brasileira Escolar – Salto em Distância
2019 – 2ª colocada Brasileiro Interclubes Sub-16 – Salto em Distância
2019 – 5ª colocada Sul-Americano Escolar – Salto em Altura
2020 – 6ª colocada – Sub-18 – com 5,51 m (com vento)
2020 – Campeã Estadual Sub-16 – Salto em Distância – 5,42 m

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